Três amigos e o Hexacampeonato
Image by Arley Ramos
Três Amigos e o Hexacampeonato
Tudo começou na hora do almoço, em uma tarde calma, a alguns dias do jogo final que poderia dar a taça de campeão ao Flamengo. Tinham chances reais de ser campeões novamente. Hexacampeões. Três amigos estavam reunidos, André, Arley e Arthur, este último aguardando ansioso a chegada de seu primeiro filho e consequentemente, mas um rubro-negro. No dado almoço, firmaram um pacto – iriam a final do Campeonato Brasileiro juntos e foi o que fizeram.
Na manhã do domingo que marcaria suas vidas, os três amigos já se ligavam freneticamente, tentando incentivar um ao outro a não desistir. Eles não tinham ingressos, como milhares de torcedores, e não tinham também a quantia em dinheiro absurda que os cambistas de plantão estava pedindo. Duzentos, trezentos, quinhentos reais era o que se escutava durante toda a semana. Mas eles estavam decididos a ir assim mesmo. André parte da Tijuca onde mora em direção ao churrasco onde tem a concentração de amigos fanáticos enquanto que Arley e Arthur seguem de ônibus mesmo de Niterói em direção ao Rio, contrariando os conselhos de amigos e parentes. Ao gritos de mengo, é campeão e músicas das torcidas, os dois amigos seguem pela ponte Rio-Niterói, sonhando com a vitória e em soltar o grito entalado a 17 anos na garganta. Chegando ao Maracanã, eles seguem em direção ao bar para beber com a galera. No caminho já se vê que a tarefa de entrar não será fácil. A policia sufocando os cambistas, deixava os amigos cada vez mais apreensivos. Chegando ao churrasco, se juntaram não só ao terceiro integrante do grupo, André, mas com uma grande quantidade de guerreiros, como Alex, Berreta, Ney, Marquinho e muitos outros. Vendo a movimentação da galera com ingresso na mão, dois dos guerreiros saíram em busca de mais informações e ingressos, deixando Arley vigiando atentamente todas as cervejas que pudesse, e assim ele fez. Cerca de uma hora depois, André e Arthur retornaram com más notícias. Estava difícil conseguir ingressos e só faltava duas horas para iniciar o jogo, marcado para as dezessete horas.
Naquele momento algo deveria ser feito. Uma decisão teria de ser tomada. Era chegada a hora do Flamengo e não havia chance de perderem aquele jogão por nada. Talvez o mais importante de suas vidas. Foi então que alguém falou – "Vocês estão preparados para apanhar, serem presos, correr, subornar, mentir e fazer toda sorte de coisas, menos viadagem, para entrar neste jogo?" Todos assentiram positivamente e dali em diante foram em direção ao Maraca decididos a entrar custe o que custar. Eles veriam seu time ser campeão, de dentro do estádio e pagando pouco ou nada por isso. De posse de muitas informações, tentaram o primeiro esquema revelado pelo irmão e guerreiro Berreta. O plano consistia em entrar no estacionamento dizendo que o ingresso não havia passado na roleta e que iam pegar o carro para ir embora. Uma vez lá dentro, deveriam seguir um labirinto sinistro até uma porta branca onde segundo Berreta haveria um cara de braços cruzados. Este tal cara ia ser subornado e os deixaria entrar. Não tinha erro, dizia Berreta. Funcionou em parte. André conseguiu entrar, era o motorista, mas os dois amigos ficaram de fora. Caronas deveriam aguardar do lado de fora, gritou o PM. Vendo o amigo entrar no estacionamento sozinho e sem carro para pegar, começamos a nos falar no péssimo sinal do Nextel. "Entrem por outro estacionamento", André gritava. "Cara, vai dar merda. vamos tomar uns tapas" falava o nervoso Arley. "Vamos porra", incentivava Arthur. E lá foram eles para o segundo portão encontrar com André, que a esta altura já negociava com Vandernilson, segurança do estádio que estava lotado perto das ambulâncias dos bombeiros. Chegaram na cara de pau, Arthur na frente seguido por Arley, papo rápido e enrolado com o PM e entraram. Pronto, 50% do plano estava completo. A poucos metros do gramado, podiam ver o verde do gramado onde a batalha seria travada, através do acesso das ambulâncias ao estádio. Uma corrida poderia resolver o problema, mas os mais de 50 policiais que estava de olho poderiam não aprovar. Desistiram. Se juntaram depois ao André, que os atualizou sobre a negociação com Vandernilson. Aguardando ansiosos pela chegada do segurança, pagariam duzentos reais pela entrada dos três. Um ótimo esquema para uma final como aquela. Vários policiais e seguranças passaram pelos três amigos que conversavam despretensiosamente sem despertar suspeitas de por que estavam tanto tempo parados ali, sozinhos, no meio do estacionamento. O tempo passava e nada do segurança voltar, até que ele surge passando direto por eles fazendo sinal de que não tinha conseguido nada. O medo se instaurou e André, sempre incansável, decidiu que ia com tudo para cima de cada segurança, policial, flanelinha, personalidade, faxineiro, ou qualquer pessoa que estivesse de serviço no estadio aquele dia. Iam entrar custe o que custasse.
Deram a volta várias vezes no Maracanã tentando encontrar algum bueiro aberto como dizia Arthur. Passando em um corredor repleto de policiais almoçando e com olhares desconfiados para o grupo de amigos, estes seguiram em direção a área dos camarotes para tentar subornar o pessoal que entregava entradas vips. Nada. Seguranças dos estacionamentos. Nada. Gritos, berros e reclamação. Caco Barcelos, o repórter, passa de câmera na mão. Investiram contra ele, mas este nada fez para ajudar. Valesca da Gaiola das Popozudas estava lá. Micro saia, toda de vermelho, também não ajudou os três pobres amigos. Faltando cerca de 10 minutos para iniciar a partida, resolveram sondar uma nova fonte. Muitos torcedores haviam pulado as roletas, e por isso estavam de posse de ingressos legítimos e com muita vontade de fazer uma graninha. Dos corredores do anel, eles estavam negociando os ingressos com o pessoal da garagem que, assim como os amigos, estava dentro do maracanã, mas ainda fora da festa. Não dava para sair mais. Parecia a bolsa de valores. Uns pediam alto, outro nem tanto. Uns pareciam que ia sumir com o dinheiro, outro estavam falando a verdade e foi um destes que abordaram. Negociaram 3 cadeiras por cinquenta reais cada. Perfeito. Escolados na arte da malandragem, compraram um ingresso. Contra a vontade do Arley. Este queria comprar logo os três e entrar. O jogo estava começando e estavam ficando de fora. Com precisão André jogou uma nota de cinquenta reais dobrada nas mãos do "cambista" e este largou o ingresso no ar que delicadamente tocou o chão. André correu para entrada. Iria encontrar com o malandro lá dentro e comprar os outros dois ingressos. Arley e Arthur aguardavam ansiosos André aparecer. Eis que o "cambista" desaparece. Por alguns segundos os dois amigos entraram em pânico. O cara teria sumido? Sumido ou vendido os outros dois ingressos? Surge André e o camarada negociando. André joga os ingressos, Arley e Arthur correm para a entrada feito loucos, mas chegando lá dão de cara com um PM bloqueando a passagem, dizendo que não entrariam mais por ali. Ordens do comandante por conta de uma confusão na bilheteria, a mesma que nos forneceu a chance de comprar os ingressos. Depois de choros, desabafos e promessas, eles liberaram a passagem e finalmente estavam dentro do maior do mundo para a grande final.
Os três amigos entraram, sofreram, gritaram, se abraçaram e tiraram da garganta o grito de É CAMPEÃO a muito guardado no peito. Este dia ficará guardado para sempre na memória destes 3 amigos que desde o início acreditaram que iam viver juntos esta grande emoção. O Flamengo novamente era o campeão do Brasil. HEXA CAMPEÃO BRASILEIRO. Depois foi só festa pelas ruas do rio. O Brasil era Rubro-Negro novamente.
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Escrito com carinho em homenagem ao meu pai, Jorge Ramos que já nos deixou, mas era Flamenguista Fervoroso e ao Pedro Henrique, que mesmo ainda estando na barriga da mamãe Grace, se mostrou um rubro-negro pé quente.
Arley Ramos da Silva
07 de Dezembro de 2009